Origens da Freguesia do Vau

A fundação da freguesia situar-se-á entre os anos de 1747-1748

Criação da Freguesia do Vau

Texto retirado do "Roteiro turístico / Guia das Atividades Económicas

"Situada na margem esquerda do rio Real, a freguesia de Vau, com uma área de 32,9 km2, é a mais extensa do concelho. As suas fronteiras confinam com as das freguesias de Amoreira, Santa Maria e Sobral da Lagoa. No seu extremo poente confina com o Oceano Atlântico e a norte com a mais célebre Lagoa de Óbidos.

Desde muito cedo que a Lagoa povoou o imaginário da população de Vau. Não só pela sua formosura, que em muito os encantou, mas também pelas potencialidades económicas que lhe proporcionava.

Aos estranhos coloridos e cambiantes, capazes de fascinar e embriagar os sentidos, juntava-se-lhes uma enorme riqueza e variedade de peixe, marisco e o limo com que fertilizavam as suas terras. Por isso dizia-se que a Lagoa dava carne, pão e vinho.

A Lagoa foi em tempos muito extensa, tendo chegado a banhar o sopé da colina onde se encontra a vila de Óbidos. Para além da área central, a Lagoa estende-se por braços, o da Barrosa e o do Bom Sucesso, aproveitando os vales de alguns ribeiros que nela desaguam. Após a extremidade do braço do Bom Sucesso, encontra-se o Sítio da Cabana, onde se banquetearam muitos reis portugueses.

Aí, no desaparecimento do Casal das Cabanas, uma série de padrões comemorava o facto de tão ilustres personagens terem-se deslocado a estas paragens. Num dos padrões pode-se ler a seguinte inscrição: "O sereníssimo e Feliz Restaurador deste Reino, El Rei D. João IV jantou nesta Cabana em quatorze de Setembro de 1645". Também por ali passaram outros monarcas como D. João V em 1714, D. José em 1761, Dª Maria em 1782 e D. Pedro V em 1860.

As origens da freguesia, nunca foram completamente clarificadas, bem como o seu próprio topónimo. Variadas versões indicam-na no próprio significado da palavra Vau e numas várzeas alagadas junto à Quinta da Luz por onde só se podia passar a vau.

Também o aparecimento da povoação é incerto. É natural que remonte à época em que D. Afonso Henriques repovoou Óbidos, tendo surgido pequenos casais em terras de Vau que iriam constituir um aglomerado populacional. O anónimo autor de "Vau de Óbidos", relaciona mesmo com o nosso primeiro monarca o aparecimento do nome de alguns casais e sítios como "Adegas de El-Rei", "Ferraria", "Bicada da Moira" e "Captiva".

Com a chegada dos monges no ano de 1548, o lugar de Vau teve enorme crescimento e desenvolvimento, também devido à colonização agrícola por eles encetada. A fertilidade dos campos em redor, e a facilidade de caçar e pescar terão contribuído para uma rápida expansão. Foi edificada uma pequena ermida dedicada a Santo António, mais tarde substituída por uma outra sob invocação de Nossa Senhora da Piedade. No ano de 1747, esta pequena capela daria lugar à igreja de Vau, o que significa que a população tinha crescido.

No ano de 1782 acontecia um facto de grande importância para a vida da comunidade. A sul da Lagoa surge um paúl denominado Poça da Albufeira, sempre muito rico em peixe e aves aquáticas, factos a que se juntaram as ótimas pastagens em seu redor, despertavam a cobiça de muita gente poderosa. Exemplo disso foi o caso de D. Theodora de Mendonça, que em 1780 pretendeu através de aforamento tomar o paúl. Como recompensa aos habitantes de Vau, que tinham salvo o infante D. Pedro de morrer afogado, D. Maria I fez-lhes mercê definitiva do paúl emitindo um alvará.

A fundação da freguesia situar-se-á entre os anos de 1747-1748, mais concretamente em 12 de Janeiro de 1747, facto que se comprova com o alvará que se encontra na posse da Junta de Freguesia do Vau. Tinha então a freguesia 57 fogos, pelo que não ultrapassaria as 230 pessoas, sendo 218 homens e mulheres maiores e menores, tendo que se acrescentar a este número inocentes, ou seja, as crianças até 7 anos de idade que não faziam parte do cômputo geral da população, por não terem cumprido os preceitos religiosos, a confissão e a comunhão.

Origens do Vau...

Conta-se que o lugar do Vau deve a sua origem à grande amizade existente entre dois irmãos. Um era monge e vivia no Convento do Vale Benfeito e o outro, de nome António de Barros, era morador na Vila de Óbidos. As visitas que o irmão obidense fazia eram sempre muito morosas e difíceis, pois havia que calcorrear caminhos que não são os de hoje e atravessar as várzeas da Quinta da Luz, muitas vezes inundadas, quase sempre a vau. Não há conhecimento como conseguiu o António de Barros adquirir os terrenos que lhe permitiram construir a casa para instalar a família e cultivar para a sua subsistência, mas o facto é que isso lhe foi facultado e assim, já a meio caminho para o Convento da Ordem de S. Jerónimo ficou com a vida um pouco facilitada, dando, simultaneamente, origem à povoa­ção do Vau que, por volta de 1530 tinha cerca de trinta habitantes. Já acima foi referido o grande interesse das Casas Reais pela parte litoral da freguesia da Amoreira. Desde o séc. XII que esse interesse se manifes­tava, quer pela aquisição de terrenos, quer pela vinda a esses lugares para repouso ou para divertimento na caça e na pesca. Como era uso ao tempo, também a parte eclesiástica manifestava interesse, mormente onde estivesse a presença dos poderosos do reino. Assim, pólos de influência foram crescendo e crescendo também a necessidade de gente para traba­ lhar neles. A população sempre vivera do amanho das terras e do pescado da lagoa e do mar, e não era muita. Nem sequer a denominação de aldeia podia exibir, visto a sua população ser bastante diminuta. A carta do rei D. Fernando, que em seguida se transcreve, elucida perfeitamente o espírito reinante da época em relação à área que hoje abrange a freguesia do Vau. "(...) querendo fazer graça e merçee aos moradores que ora moram no vaao termo da dicta villaou a outros quaasquer que hi daquj en diante quiserem vijr morar contihinuadamente t eemos por bem e mandamos que elle nom seruam com o dicto concelho em nenhuua cousa nem paguem fintas nem talhas que selam lançadas per nosnem per o dicto concelho nem em outros encargos nenhuos desse concelho.

Outrossy mandamos que se alguus dos que morarem no dicto lugar teuerem filhos ou filhas que lhos nom constrangades nem mandedes constranger pêra morarem com elle fazede os logo entregar a seus padres e a suas madres. E se alguos mancebos ou mancebas quiserem vijr morar com os moradores do dicto lugar por suas soldadas mandamos que lhos nom tomedes e leixedes viuer com elles sem nenhuu embargo que lhe sobre ello ponhades.

Outrossy lhes nom tomedes nem mandedes tomar seos gaados. (...)

As protecções reais e senhoriais aumentaram e a população foi crescendo até que em 1747, mais precisamente a 12 de Janeiro, deu-se lugar à criação da freguesia do Vau. Tinha nessa altura 57 fogos e cerca de 230 adultos. A área que lhe foi concedida foi de 3.290 ha. Tudo na vida tem uma história e a criação da freguesia do Vau não foge à regra.

Como já se descreveu, era a área do Bom Sucesso local de peregrinação frequente de reis e rainhas. Por volta de 1740, veio a banhos às Caldas da Rainha o rei D. João V. Acompanhavam-no os infantes seus filhos D. José e D. Pedro que tinham como propósito seguir para a lagoa onde pescariam e caçariam. Este infante, que viria a ser o rei-consorte D. Pedro III, ao pescar junto à restinga entre a lagoa e o mar foi arrastado por uma vaga pondo em perigo a sua vida, mas uns pescadores que perto andavam logo se atiraram à água trazendo o Príncipe a salvo. Mais tarde, quando o infante perguntou aos remadores da bateira o que poderia fazer por eles, foi-lhe pedido que transformasse o seu lugar em freguesia. O infante prometeu e cumpriu. Era, ao tempo, cardeal-patriarca de Lisboa D. Thomaz d'Almeida que anuindo ao desejo formulado, desanexou da igreja de Nossa Senhora da Aboboriz as áreas que lhe pertenciam, dando, assim, origem à formação da freguesia do Vau.

Não foi pacífica, no entanto, esta desanexação. O pároco da Amoreira, João Teixeira Monteiro, conjuntamente com o cura Arsénio Caetano e o mestre de obras do Sobral da Lagoa, Manuel Teixeira, tudo fizeram para impedir que tal desiderato se cumprisse, chegando mesmo o mestre de obras a proferir: " Por ventura vocês são capazes de ter freguesia? Pois se o for, o sino hà de ser de cortiça, a corda de vides, o badalo de papel e a tumba de barro!"

Mas do outro lado, a grande vontade dos moradores capitaneados pelo padre José Alves e a protecção de D. Pedro fizeram que a balança pendesse para a criação da nova freguesia. A carta que o pároco da Amoreira rece­ beu de um amigo de Lisboa deitou por terra as poucas esperanças que ainda tinha. Dizia a missiva: "Amigo. Não tem remédio as suas pretensões e embargos que formou, porque os moradores do Iogar do Vau consegui­ram o que pretendiam e sua Eminência lhes concedeu a freguesia e como isso foi requerido por cima, não teve remédio, o que nos pesa. (...), (...). foi uma punhalada dada no coração do Cura da Amoreira e como era muito activo e lhe pareceu sempre que nunca tal se efectuaria, movido pela paixão cahiu na cama e só durou 22 dias com vida. (...)""(...) Quem ficou também muito "amachucado" foi o Cura Arsénio Caetano, e, de tal forma, que vendeu e queimou todos os bens que possuía no lugar do Vau e se ausentou com o dinheiro que fez nos bens e foi morar para a cidade de Lisboa."

Nos arquivos da Freguesia do Vau não consta qual o seu primeiro presidente porquanto o livro de actas e demais documentação desapareceram num incêndio que destruiu a casa do elemento da Junta que os tinha à sua guarda.

Os três documentos que a seguir se apresentam, gentilmente facultados pela Junta de Freguesia do Vau, têm a "transcrição" e pontuação possíveis por forma a não deturparem o sentido que eles encerram e simultaneamente tornar possível a leitura para os menos habituados a este tipo de parafraseado. O primeiro é a prova da data da formação da Freguesia do Vau e a nomeação perpétua do Infante D. Pedro como Juiz da Fábrica da Paróquia da Igreja do Vau. O segundo, o reconhecimento do mesmo Príncipe, da sua protecção para a formação da Freguesia do Vau e aceitação como Juiz. O terceiro, a demonstração da continuidade da protecção Real na zona da Lagoa de Óbidos.

Primeiro Documento

Registo no Livro da Chancelaria de 1759, a folhas 64 V o. e assento no das Mercês de 1757, a folhas 116 V o. Lisboa 23 de Agosto de 1759.

Por mandado de 2 de Outubro de 1759, registado a folhas 51 V o. do Livro da Fazenda de 1756 se mandou ao Tesoureiro da Casa do Infantado pagasse aos Oficiais da Mesa da Fábrica da Paroquial Igreja de Nossa Senhora da Piedade do lugar do Vau, termo da Vila de Óbidos, 156 mil réis vencidos desde 12 de Janeiro de 1747 (destacado pelo autor) em que foi erecta a dita Freguesia e se nomeou a Sua Alteza por Juíz perpétuo damesma Fábrica ..... o último de Dezembro de 1759 a respeito de 12 mil réis de esmola por ano e que lhe fez mercê o mesmo Senhor. E para que conste se pos aqui esta referência. Lisboa 3 de Outubro de 1759.


Segundo Documento

Eu, o Infante D. Pedro, faço saber aos que este alvará virem que por parte dos Oficiais da Mesa da Paróquia da Paroquial Igreja de Nossa Senhora da Piedade do lugar do Vau termo da Vila de Óbidos me foi apresentado que sendo eu servido concorrer com a minha protecção para se erigir Paróquia na mesma Igreja, aceitara também ser Juíz perpétuo da dita Fábrica, e porque esta se achava erecta há doze anos e os Oficiais que neles tinham servido na Mesa deixaram de suplicar-me a esmola para a mesma Fábrica por necessário muito dela assim por ser pubríssima como por se achar empenhada com as grandes despesas que havia feito no reparo das ruinas que lhe causara o terramoto do primeiro de Novembro de mil setecentos e setenta e cinco, me pediam fosse servido dar-lhes esmola que me parecesse pelos sobreditos doze anos, e determinasse a ordinária que havia de vencer em cada um dos anos futuros; Ao que entendo. Hei por bem fazer mercê aos ditos Oficiais da Mesa da Fábrica da Igreja de Nossa Senhora da Piedade do lugar do Vau de doze mil réis de esmola todos os anos, metendo-se em folha para os futuros e de que se lhes paguem os decursos; Pelo que mando aos Ministros Deputados da Junta de minha Casa e Estado do Infantado lhes mandem fazer assentamento dos ditos doze mil réis e despachar nas folhas anuais que se passarem para o Tesoureiro Geral das Rendas da mesma Casa e Estado do Infantado por onde hão-de haver seu pagamento na forma referida. E este alvará se cumprirá inteiramente como nele se contém sendo primeiro passado pela minha Chancelaria. Lisboa, trinta de Julho de mil setecentos cincoenta e nove anos.

Infante D. Pedro

Alvará porque Vossa Alteza é servido fazer mercê aos Oficiais da Mesa da Fábrica da Paroquial Igreja de Nossa Senhora da Piedade do lugar do Vau, termo da Vila de Óbidos de doze mil réis todos os anos de esmola, metendo-se em folha para os futuros, e de que se lhes paguem os decursos como acima se declara.



Terceiro Documento

(...,)A Rainha faço saber aos que este meu alvará virem, que havendo respeito a representarem-me os moradores do lugar do Vau, termo da minha Vila de Óbidos, que eles se achavam na posse por si e seus antepassados, de tempo que excedia a memória dos homens de pescarem em um paul que se chama a Poça da Albofeira, onde se criam galeirões e outras aves pelos canaviais e a lagôa que nele se conserva, cujo paul tinha em circunferencia mais de um quarto de légua, onde El-Rei meu Pai e Senhor de feliz recordação já caçava tão gostosamente que decretou ficar sendo coutada o dito paul, para nele se não caçar. Foi da Real intenção que assim se conservasse; E com efeito assim se tinha praticado para criação da referida caça que em abundancia criava, mantendo-se juntamente os referidos moradores muitos dias do ano com a sua pescaria, sem cujo socorro a sua muita pobreza não podia passar, por lhes faltar os necessários meios, e dinheiros para comprarem: Estando igualmente na fruição e utilidade para os seus gados do palhagal que produzia o mesmo paul, sem o que se não podia conservar a sua agricultura de que redundava utilidade à minha Real Fazenda: Que deste benefício os pretendia privar Dona Maria Theodora Soares Fialho de Mendonça, filha famílias de Pedro José Luiz Fialho e Mendonça, actual Administrador dos Tabacos na dita Vila, e na mesma Monteiro-Mor das Montarias; Pedindo-me imediatamente lhe quizesse dar de aforamento o referido paul, afectando pretexto de utilidade à minha Real Fazenda, só afim de facilitar a dita graça sem atender que conseguida ela, ficavam indispensàvelmente consternados os ditos moradores, e por isso obrigados a deixar a terra; Querendo igualmente com o dito aforamento extinguir a criação das aves, que se reservava para divertimento da Real Família, e também a criação de peixes com que se mantinha aquela povoação, e igualmente não haveria palhagal para os gados; Mas sim com a seca um contágio nos Iodos, que fariam epidemia certa; Como já se experimentara no ano de mil setecentos e trinta e quatro; Estando o Capitão-Mor da dita Vila, com o Provedor da Saude, secaram o paul: Pedindo-me fosse atender aos suplicantes em geral, Viuvas, Orfãos e Donzelas, que ali se mantinham com honra e pobreza, servidos por alguns parentes dos que pescam e tiram no dito paul, e ordenar que prevaleça com atenção a necessidade pública dos mesmos suplicantes, à particular utilidade da suplicante filha famílias; E para que a minha Real Fazenda não ficasse prejudicada se oficiam os suplicantes a pagar os meus foros perpétuos; Que (...). permitindo-se-lhe o aforamento que ela pretendia: Escritos os requerimentos dos suplicantes e suplicada e o que sobre um e outro me consultou a Mesa da minha Fazenda e Estado, sendo sobre ambos ouvido o Desembargador- Procurador dela: Fui servida negar por minha Real resolução o emprazamento requerido pela suplicada, do paul, ou Poça da Albofeira; Atendendo aos justos e piedosos motivos do requerimento dos ditos moradores suplicantes: Hei por bem ordenar, que o dito paul da Albofeira se conserve na forma em que se acha, para o uso publico dos mesmos moradores do lugar do Vau, na conformidade da posse em que estão ( destacado pelo autor ): Pelo que mando ao almoxarife, e mais pessoas a quem o conhecimento desta deva e haja de pertencer o cumpram e guardem inteiramente como nele se contém e se declara, tendo transitado pela minha Chancelaria, aonde se pagou cem réis de direitos, que foram carregados ao Recebedor Gaspar Fernandes da Sylva, no livro de sua receita a folhas 52, e se acha registada no Livro do Direito da Secretaria e Almoxarifado competente e aonde mais convier, para que a todo o tempo assim conste, e possa ter o seu devido efeito. Lisboa dez de Julho de mil setecentos oitenta e dois.

Rainha

Alvará porque Vossa Magestade, atendendo aos justos e piedosos motivos do requerimento dos moradores do lugar do Vau, termo da Vila de Óbidos; Houve por bem negar o emprazamento do paul chamado da Poça da Albofeira, pretendido por Dona Maria Theodora Soares Fialho de Mendonça, filha famílias de Pedro José Luis Fialho de Mendonça, e ordenar que o dito paul se conserve de foro algum, na forma em que se acha, em benefício do uso publico dos mesmos suplicantes, moradores do sobredito lugar, e tudo como neste Alvará se declara.

Para Vossa Magestade

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